Por estes dias, há um sobressalto que agita as hostes socialistas. Sente-se no ar a angústia que se apoderou de alguns dos espíritos mais iluminados da nossa esquerda.
A dúvida instalou-se, sobretudo, no dinâmico sector empresarial rosa, boa parte do qual vive pendurado nos grandes negócios com o Estado. Então e se o primeiro-ministro estiver mesmo a equacionar a hipótese Alcochete? Então e se o estudo encomendado ao LNEC for de facto sério e para levar a sério? É que em 2009 há eleições para ganhar, logo os portugueses não podem ser forçados a engolir a Ota a qualquer preço. O pânico está instalado.
Depois de revelada a hipótese Alcochete, cedo se percebeu que o estado-maior rosa tinha entrado em roda livre. No último verão, o dr. Almeida Santos acenava ao país com o perigo de dinamitagem das pontes sobre o Tejo. Um verdadeiro western à portuguesa, dado como provável caso se insistisse na pouco oportuna ideia de construir o aeroporto na margem sul.
“Na margem sul jamais, jamais!”, atirava descontrolado o ministro da obras públicas, para quem a Ota era um compromisso pessoal. Pena é que o compromisso do senhor ministro fosse para pagar com o dinheiro dos contribuintes.
Quando, providencialmente, o primeiro-ministro decidiu decretar uma pausa para reflexão, a Ota estava prestes a ir ao tapete. Havia que reorganizar as tropas, redefinir estratégias e preparar uma resposta firme.
Mas como contrariar o conjunto de factos concretos que a CIP tinha revelado ao país?
1. O campo de tiro de Alcochete é mais perto de Lisboa do que a Ota.
2. Os terrenos de Alcochete são do Estado ao contrário dos da Ota.
3. O campo de tiro de Alcochete é mais plano que o pantanal enrugado da Ota.
4. A área disponível em Alcochete é infinitamente maior do que a nesga de terreno existente na Ota.
Em Alcochete há, portanto, menos obra pública para fazer e menos terrenos para expropriar, logo menos clientela para alimentar.
Sobram as gravuras rupestres, as pegadas de dinossauro, a rota migratória das galinhas, os aquíferos, os sobreiros, os morcegos, o porco preto e a caracoleta... Não se encontrou nada? Há que procurar melhor!
Nos gabinetes da alta finança e nalgumas obscuras repartições do Estado trabalha neste momento um batalhão de consultores, engenheiros, biólogos, peritos, amigos e primos a cozinhar uma contra-argumentação de emergência. O objectivo é desmontar o estudo da CIP, custe o que custar.
Há uns dias, as construtoras lançaram a ideia peregrina dum pacto de regime sobre as grandes obras públicas. Trocando por miúdos, PS e PSD entendem-se previamente sobre o banquete – aeroporto incluído – e o país cala definitivamente a boca. Por ser demasiado escandalosa a coisa não passou.
Ontem, o inevitável Vital Moreira voltou a terreiro no seu blogue Causa Nossa, rejubilando com um alegado comunicado da Rave. Ao que parece, a empresa tutelada pelo ministro das obras públicas tinha encontrado imprecisões no estudo da CIP. “O estudo começa a afundar-se no ridículo” decreta prontamente o mais socialista dos ex-comunistas, um eminente constitucionalista que aos poucos se vai transformando numa sumidade do sector aeroportuário.
No dia anterior, o ex-ministro socialista Daniel Bessa tinha sido honesto e frontal como é seu timbre, indo directamente ao cerne da questão. Na primeira página do caderno de economia do semanário Expresso escrevia que muitas entidades “fizeram projectos, adquiriram terrenos, firmaram contratos”, convencidas da construção do aeroporto na Ota. Esse é, verdadeiramente, o problema.
Pouco importa o dinheiro e o interesse público. Ainda que estejamos a falar de milhares de milhões de euros e do futuro do país, o que parece de facto importar são os interesses particulares de meia dúzia de predadores que se precipitaram para a Ota, rapidamente e em força. Os suspeitos do costume.
João Castanheira