sábado, 22 de março de 2008

O libertino

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Luiz Pacheco, o libertino, partiu a 5 de Janeiro de 2008.

Poucos dias antes de morrer, o escritor maldito dava o veredicto sobre o seu próprio livro de entrevistas, obra a cujo lançamento já não pôde assistir: “Esse livro é uma merda! Isso é uma aldrabice. É bom para andar por essas editoras pequenas”.

Na verdade, “O Crocodilo que Voa” não é uma merda. É uma deliciosa colectânea de entrevistas publicadas entre 1992 e 2008. Ao longo dessas 12 entrevistas, Luiz Pacheco bate forte feio em alguns dos grandes nomes da literatura portuguesa do século XX.

“O Cesariny era um poeta de urinóis. Chegou a Paris, ia com esse hábito e botou a mão à sarda de um homem que estava a mijar – resultado, foi parar à cadeia. O chefe da esquadra perguntou-lhe: Então como é isso la-bas? E ele disse: É como cá. Mas não era, porque o chefe da esquadra disse: Então você tinha para aí tantas pensões para ir fazer isso, era preciso ir para o urinol deitar a mão à gaita do outro?”.

O livro começa com uma entrevista feita em 1992 por Carlos Quevedo e Rui Zink, para a mítica revista K. Ainda me lembro da fotografia de Luíz Pacheco na capa da K.

Escrevem os entrevistadores: “Luís Pacheco, escritor, sofre de asma brônquica. Calvície precoce. Fractura do úmero devido a tentativa de suicídio na Avenida de Berna. Queda de dentes natural quase total. Enfisema pulmonar bilateral. Hérnias inquinais não operadas com uso de funda dupla. Hipersensibilidade ao álcool. Tratamento de desintoxicação no Centro António Flores. Miopia e astigmatismo, quase cegueira. Bissexual assumido. Leve surdez do ouvido esquerdo. Andropausa total. Três mulheres reconhecidas. Três estadias no Limoeiro. Duas estadias na cadeia das Caldas da Rainha. Prisões ocasionais e breves em esquadras da polícia”.

Luiz Pacheco foi um herói marginal. Escreveu sobre magalas e urinóis. Na Contraponto, editora que fundou em 1950, publicou Cesariny, Cardoso Pires, Herberto Hélder, Virgílio Ferreira e Natália Correia. Viveu boa parte da vida na miséria, hospedado em quartos alugados e albergues bolorentos.

Luiz Pacheco foi um grande português. “O Crocodilo que Voa” é um livro imperdível.

João Castanheira

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