domingo, 30 de dezembro de 2007

O mérito e a excelência

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Definitivamente, Portugal não valoriza o mérito e a excelência.

Existia no nosso país uma universidade que licenciava “engenheiros” e “doutores” mais rapidamente do que qualquer outra.

Tínhamos um estabelecimento de ensino superior que assegurava aos recém licenciados as mais altas colocações no mercado de trabalho.

Possuíamos uma escola que, desde a primeira hora, aderira ao plano tecnológico: os exames escritos faziam-se por fax e, em breve, as orais passariam a realizar-se por SMS.

Portugal tinha, enfim, uma universidade privada que não precisava do Estado para nada. Pelo contrário, era o Estado que precisava da universidade.

O que é que lhe fizeram? Fecharam-na.

E agora, onde deve dirigir-se alguém que precise duma licenciatura em três dias? À Loja do Cidadão?
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João Castanheira

Socorro

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Assim que chegou à presidência do PSD, Luís Filipe Menezes propôs a Sócrates um pacto sobre as grandes obras públicas. Trocando por miúdos, PS e PSD entendiam-se sobre o banquete e o país calava a boca.

Há uns dias, o novel presidente do PSD atirou com esta: “Está na altura de o Governo nomear para presidente da Caixa Geral de Depósitos uma personalidade do PSD”.

Umas horas depois, em declarações ao semanário Expresso, Menezes prometeu que se ganhasse as eleições legislativas de 2009 iria desmantelar o Estado em meia dúzia de meses.

Com este discurso, Luís Filipe Menezes não chega sequer a presidente da Junta de Freguesia da Afurada, quanto mais a primeiro-ministro.

Será que PS e PSD assinaram um pacto de regime para manter Sócrates no poder até 2013?
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João Castanheira

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

E o disco do ano é

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Está escolhido! Boxer dos The National é o disco do ano para o Num Lugar à Direita - que me desculpe o Luís Guarita que não teve oportunidade de votar.

Boxer está uns furos acima do muito aclamado Neon Bible dos Arcade Fire. E isso diz tudo sobre a consistência da obra.

É uma muralha rítmica inebriante, polvilhada por delicados arranjos de piano, cordas e metais, acima dos quais se eleva uma voz um tanto ou quanto etílica. A voz de Matt Berninger trás à memória Leonard Cohen, Nick Cave ou Stuart Staples (Tindersticks) - uma linhagem de respeito.

E as canções são enormes: Fake Empire, Ada, Mistaken For Strangers, Apartment Story, Green Gloves...

A rapaziada dos The National já ameaçava há uns anos, mas foi ao terceiro album que saiu obra-prima. E como grande parte do que é bom, Boxer nasceu nos Estados Unidos.
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Good Bless America!
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João Castanheira

Kosovo: brincar com o fogo

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Por que razão se precipita a comunidade internacional para conceder a independência ao Kosovo?
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Porquê recusar a solução de autonomia alargada que a Sérvia está disposta a conceder?
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Qual o interesse em humilhar a Sérvia (e hostilizar abertamente a Rússia), arriscando uma nova guerra numa área fustigada por séculos de conflitos?
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O que sucederá à minoria sérvia que tem sido castigada por sucessivas operações de limpeza étnica levadas a cabo pela maioria albanesa?
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A verdade é que uma declaração unilateral de independência por parte do Kosovo porá em causa a estabilidade das fronteiras e a integridade territorial de um país em pleno coração da Europa.
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A verdade é que, à luz de todas as leis internacionais, o Kosovo é parte integrante do território da república da Sérvia.
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A verdade é que, após a independência do Kosovo, não restarão à comunidade internacional argumentos para impedir, por exemplo, a independência do País Basco.
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A verdade é que o Kosovo independente será um estado maioritariamente muçulmano cravado em plena Europa.
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A verdade é que o Kosovo independente terá uma área equivalente ao distrito de Beja e uma população não superior a 2 milhões de habitantes, afectados por uma taxa de desemprego da ordem dos 40%.
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Mais um estado inviável, que sobreviverá (?) à custa da ajuda económica e da protecção militar que a comunidade internacional estiver disposta a conceder.
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O bom senso recomendaria um pouco mais de prudência. Mas parece haver quem esteja interessado em brincar com o fogo.
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João Castanheira

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Privatização da REN - O PS no seu pior

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O Estado Português detém actualmente 51% do capital da REN – Redes Energéticas Nacionais, SGPS, através das participações da Caixa Geral de Depósitos e da Parpública. Diga-se, aliás, que a estrutura accionista da REN incluía apenas o Estado Português e a EDP até final de 2006, altura em que o governo do Partido Socialista achou por bem dar início a um processo de gradual privatização da empresa.

Como bem sabemos, a REN opera num mercado onde não existe e onde jamais existirá concorrência - um monopólio natural. De facto, a REN é a empresa responsável pelo transporte de electricidade em muito alta tensão e pelo transporte de gás natural em alta pressão. Opera, portanto, um sistema de redes de transporte de energia que é e continuará a ser o único do país. É uma infra-estrutura verdadeiramente estratégica, porque da sua adequada operação e manutenção depende, literalmente, a vida de todos os portugueses.

Ao longo dos tempos mais recentes, a REN tem sido um verdadeiro case study de boa gestão pública, gerando sucessivamente resultados positivos e contribuindo directamente com os seus lucros para o orçamente do Estado. A título de exemplo, refira-se que em 2006 o resultado líquido consolidado do grupo foi de 550 milhões de euros!

Não há portanto, mesmo na análise de alguém que se considera liberal no domínio económico, uma única razão válida para se insistir na privatização da REN. Trata-se, como já se disse, de um sector de actividade muito particular, onde jamais existirá concorrência, onde não existirá um mercado, pelo que os cidadãos nada têm a ganhar com a passagem destes activos para as mãos dos grupos privados do costume. Pelo contrário, muito teríamos a perder se a privatização resultasse numa estratégia de gestão com objectivos de curto prazo, que iria provavelmente descurar o investimento nas redes, pondo em risco a segurança do abastecimento energético do país.

Então porquê a ideia da privatização?

Há, desde logo, um interesse político imediato. A privatização resultaria num encaixe financeiro apreciável, que permitiria atenuar o défice público e constituiria, nessa medida, um óbvio trunfo político para o governo. É, evidentemente, uma tentação que deve ser denunciada, porque sujeita os interesses vitais do país a uma lógica partidária de curto prazo.

A segunda razão para que a febre privatizadora do Partido Socialista tenha apanhado a REN pelo caminho é ainda menos edificante que a primeira. É sabido que alguns grupos económicos – os suspeitos do costume – salivam perante a possibilidade de deitar mão a uma empresa que é necessariamente lucrativa. Um negócio garantido. E é sabido que esses grupos se movimentam com agilidade e reconhecida eficácia junto dos meios políticos.

Até à passada 3ª feira, era óbvio que o governo socialista tinha caído em tentação. Fosse por uma, fosse por outra, quem sabe se pelas duas razões acima apontadas. Leia-se a resolução do Conselho de Ministros n.º 74/2007, de 1 de Junho, através da qual foi lançada a primeira fase de privatização da REN. Diz-se nessa resolução, textualmente, que “...estão reunidas as condições para que, a curto prazo, se possa proceder à realização de uma ou mais fases de privatização do capital social da REN, caso em que, não obstante a redução da sua posição accionista, o Estado continuará ainda a dispor das respectivas competências no plano regulatório e a título de entidade concedente”. O caminho estava traçado, sem margem para dúvidas!

É por isso verdadeiramente surpreendente que no debate mensal da passada 3ª feira, na Assembleia da República, o Primeiro-Ministro tenha afirmado que "a REN é pública e manter-se-á pública", lembrando que "o Estado tem uma participação de 51% e não diminuirá essa participação, justamente por ser uma empresa estratégica". Brilhante. Será que alguém confrontou o Primeiro-Ministro com esta tão flagrante cambalhota política?

Saúda-se a mudança de rumo, mas é inquietante que o governo não tenha uma estratégia definida para um dos sectores mais estratégicos do país. Que o governo brinque às taxas para os sacos de plástico ainda vá que não vá, mas brincar com um assunto tão sério como o futuro da REN ultrapassa o limite da razoabilidade. Haja bom senso e seriedade!

João Castanheira

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Inimputável

O deputado social-democrata José Raúl dos Santos abalroou um carro por trás ali para os lados do Príncipe Real. Nada de mais, acontece aos melhores. O condutor abalroado decide chamar a polícia e os agentes da autoridade acham por bem submeter ambos os condutores a um teste de alcoolemia. Até aqui tudo normal.
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Só que o ilustre parlamentar não está pelos ajustes: saca do cartão de deputado, invoca a imunidade parlamentar e desaparece do local sem soprar o balão.
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Poderia ser um episódio menor, mas não é. José Raúl dos Santos mostrou, neste singelo episódio, a fibra de que é feito. À boleia da condição de deputado, considera-se inimputável!
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No parecer que autoriza o levantamento da imunidade, a comissão de ética da Assembleia da República escreve que "a imunidade parlamentar não pode, e muito menos deve, ser invocada no âmbito de quaisquer processos que não tenham relação com a actividade política do deputado". Acrescenta ainda que "A imunidade parlamentar não constitui um privilégio individual dos deputados para se subtraírem à acção da justiça". Bravo!

Algo vai mal quando um deputado entende que a imunidade parlamentar lhe confere o direito de virar as costas a um agente da autoridade ou até, quem sabe, de conduzir com os copos. Algo vai mal quando um parlamentar não percebe que um gesto deste calibre é verdadeiramente assassino para a credibilidade do sistema político e representa uma violenta machadada na dignidade da Assembleia da República.

João Castanheira


quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

A lambidela

Ainda o lodaçal posto a nú pela cimeira UE/África. Alguns reputados empresários portugueses - por sinal ex-ministros - foram apanhados quando saiam, discretamente, da tenda que Mouammar Kadhafi montou no forte de São Julião da Barra.

Ao contrário do que se poderia suspeitar não foram a negócios. Nas suas palavras, foram "conhecer uma realidade que é preciso conhecer".

A diplomacia e os negócios partilham um lado obscuro e obsceno que nos cobre de vergonha. Não estivesse Kadhafi sentado em cima dum poço de petróleo e jamais os ditos empresários ousariam participar naquele indecoroso beija-mão. Uma lambidela no ditador que em 1988 rebentou à bomba um avião da PanAm, em Lockerbie, Escócia, matando 270 pessoas.
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João Castanheira


Bons genes


Na Venezuela, a revolução socialista continua em marcha:


  • Hugo Chávez é presidente da república desde 1999, depois de em 1992 ter protagonizado uma tentativa de golpe de estado militar;
  • Adán Chávez, irmão de Hugo, foi recentemente nomeado ministro da educação;
  • Hugo de los Reyes Chávez, pai de Hugo, é governador de Barinas, estado natal da família Chávez;
  • Aníbal Chávez, irmão de Hugo, é presidente da câmara de Sabaneta, cidade natal da família Chávez;
  • Asdrúbal Chávez, primo de Hugo, foi nomeado vice-presidente da PDVSA, a companhia estatal de petróleo da Venezuela;
  • Argenis Chávez, irmão de Hugo, foi nomeado secretário de estado do governo de Barinas;
  • Adelis Chávez e Narciso Chávez, irmãos de Hugo, desempenham altas funções públicas no estado de Barinas.

Uma óbvia questão de bons genes!

João Castanheira

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Onde pára o Zé?

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Confesso que tinha pelo Zé uma certa admiração. Sim, eu sei que o fulano custou uma pipa de massa ao erário público quando decidiu marrar com o túnel do marquês. E que mesmo sem qualquer pelouro na autarquia, tinha mais assessores que o presidente da câmara de Vila Nova da Rabona. Sim, é verdade que Lisboa merecia um justiceiro com um ar mais lavadinho. Mas, enfim...
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A verdade é que foi o Zé que pôs em sentido a indústria da caliça! E, ao que parece, foi graças ao Zé que abrandou o tráfego de malas de dinheiro pelos corredores da capital.
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É por isso que este silêncio é tão ensurdecedor. Afinal, onde pára o Zé?
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Ele eram conferências de imprensa de manhã, denúncias de cambalachos à tarde, providências cautelares à noite. Uma azáfama.
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Coincidência ou não, desde que foi laureado com o pelouro dos canteiros o homem eclipsou-se. Tiro em cheio, Zé ao fundo!
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João Castanheira

domingo, 2 de dezembro de 2007

100 anos de Niemeyer

Oscar Niemeyer fará 100 anos no próximo dia 15 de Dezembro. Um século de génio que importa celebrar.

Do conjunto da Pampulha (1940) ao Museu de Arte Contemporânea de Niterói (1991), Niemeyer projectou um mundo inteiro de edifícios intemporais.

Em “Minha Arquitectura”, Niemeyer escreve: “Não é o ângulo recto que me atrai, nem a linha recta, dura e inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher. De curvas é feito todo o universo”.

Quando, em 1955 Juscelino Kubitschek decide rasgar uma nova capital em pleno sertão brasileiro, Niemeyer é confrontado com a oportunidade da sua vida. Um desafio que nenhum outro arquitecto pudera até aí agarrar – Niemeyer deveria conceber todos os palácios e edifícios significativos da nova capital do seu país.

E foi precisamente em Brasília, cidade oficialmente inaugurada a 21 de Abril de 1960, que o génio criador do arquitecto se revelou em todo o seu esplendor. Uma explosão de formas e curvas sem paralelo na arquitectura moderna.

Niemeyer continua ainda hoje, aos 100 anos, a trabalhar activamente no seu atelier de Copacabana. E a passagem do centenário do nascimento do arquitecto lembrou-me que está ainda por cumprir uma das viagens da minha vida.

Desde miúdo que me imagino a percorrer o eixo monumental, a visitar a deslumbrante catedral, a subir a esplanada dos ministérios e a desembocar na mítica Praça dos Três Poderes. Trauteando uma melodia de Jobim, vejo-me a descobrir o Congresso Nacional, a olhar demoradamente o Palácio do Planalto e a descansar, por fim, junto ao espelho de água do Palácio da Alvorada. Há tantos anos que espero por essa viagem…

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João Castanheira