domingo, 31 de agosto de 2008

O terceiro mundo aqui ao lado

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O que se passou, há dias, na linha do Tua, é digno do mais arcaico e pobre país do terceiro mundo.

É absolutamente incrível que numa linha com 120 anos, sem registo de acidentes de monta nos primeiros 115 anos, tenha agora, que se anuncia o encerramento definitivo da linha para que se construa uma barragem na foz do Tua, nos últimos 5 anos, uma sucessão verdadeiramente delirante de acidentes, quase todos eles com mortos a lamentar. Há, de facto, coincidências estranhas!

O que é ainda mais estranho, é a ligeireza com que se vai falando de investimentos milionários para construir um TGV e se deixa, por esse país fora, o caminho de ferro definhar, ceifando vidas pelo caminho. Há nisto algo de esquizofrénico que não se compreende e dificilmente se aceita.

Na verdade, só mesmo nesta West Coast of Europe se compreende que num tempo em que se procura, por essa Europa fora, condicionar o transporte individual e rodoviário e incentivar o transporte colectivo e ferroviário, se deixe ao abandono linhas de caminho de ferro como a do Vouga - que cruza uma região de extremo dinamismo empresarial e elevada população -, se tenha encerrado as duas linhas que ligavam Viseu ao resto da rede ferroviária - trata-se tão somente da maior cidade europeia sem caminho de ferro -, se continue a demorar 3 horas para cruzar o Algarve em locomotivas inenarráveis, se mantenha em suspenso o investimento numa verdadeira modernização da linha do Oeste, se não faça uma ligação suburbana entre a gare do Oriente e a Malveira, passando por Loures, se não leve a electrificação da linha à Covilhã, à Guarda, a Évora e Beja e à Régua e, cereja em cima do bolo, se não aproveite o enorme potencial turístico da linha do Douro e, em particular, da sua reactivação entre o Pocinho e Barca de Alva.

De facto e perante isto só nos pode parecer normal aquilo que aconteceu no Tua. Ao olharmos a brutalidade de certos acontecimentos num país que renega o caminho de ferro e deixa portugueses morrer devido à incúria com que trata esse património, só nos resta mesmo aceitar que talvez a sorte dos néscios nos bafeje eternamente e nos impeça de sucumbirmos perante a interminável estupidez de quem nos governa.

Não se trata pois do acidente em si, trata-se da atitude perante as coisas. É aí, nessa intersecção da realidade, que nos afundamos...

Luís Isidro Guarita

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