segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Terramoto à vista

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Manuel Alegre é uma personalidade curiosa, capaz de inspirar os mais contraditórios sentimentos.

Aprecio-lhe a voz, a coragem, a independência, a cultura e até a figura um tanto ou quanto paternal.

Mas a verdade é que a par dos seus encantos – sobretudo estéticos – Manuel Alegre representa muito do que há de pior na nossa esquerda.

Aflige-me, desde logo, o marialvismo, que os compagnons de route devem, no seu íntimo, considerar vagamente reaccionário.

Porém, o que mais me deprime naquele que é cada vez mais o grande ícone da nossa esquerda libertária é a sua profundíssima aridez ideológica.

Pergunte-se a Manuel Alegre que desígnio aponta para Portugal? Que caminho preconiza para a nossa economia? Que solução defende para a crise financeira?

Imagino que a tudo isto Manuel Alegre possa responder com um poema. Pena é que a vida seja mais complexa que um livro de poesia.

Ou talvez nos atire com os anos resistência ao fascismo – dizem as más-línguas que fugiu a salto para Argel. Pena é que a resposta habitual remeta para o passado, num momento em que a nossa inquietação colectiva diz respeito ao futuro.

Manuel Alegre é, apesar de tudo, um homem livre e coerente. Bate-se pelas causas em que acredita e essa é, nos dias que correm, uma qualidade que não deve ser desvalorizada.

Ontem, Manuel Alegre deu um passo em frente, alcançando o que julgo ser o ponto de não retorno. E deixou o polvo rosa à beira de um ataque de nervos.

Ainda não é claro o alcance dos estragos que Manuel Alegre pode provocar no poder tentacular do Partido Socialista. Mas a reacção desesperada dos boys e das girls deixa antever a possibilidade de terramoto.

Apesar de tudo, a poesia ainda é capaz de abanar a (baixa) política.

João Castanheira

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