sábado, 1 de setembro de 2007

Ota: a Muralha Começa a Ceder

Como muitos outros portugueses, sou frequentemente forçado a viajar para fora do país por motivos de ordem profissional. Na maior parte das vezes saio por um dia ou dois, com o tempo contado, para participar numa reunião ou numa conferência, beneficiando de uma comodidade que vale ouro nos dias que correm – quer saia de casa quer saia do escritório, chego ao Aeroporto Internacional de Lisboa em menos de trinta minutos.

É esta mesma comodidade que tem trazido para a Área Metropolitana de Lisboa um número crescente de congressos, seminários e conferências internacionais. A mesma comodidade que trás um número cada vez maior de turistas, que escolhem a região de Lisboa para uma curta estadia de férias, muitas vezes não mais do que um fim-de-semana, em que cada hora conta.

São estes profissionais e estes turistas que enchem os hotéis, que geram movimento nos restaurantes, que dão vida ao comércio e que visitam os museus e outros equipamentos culturais. São eles que alimentam um sector da economia que é cada vez mais estratégico para o país – o turismo.

É tudo isto que estaremos a pôr em causa se o Governo do Partido Socialista insistir em construir um resort aeroportuário de luxo, encavalitado entre cabeços e pântanos, a 50 km de distância do centro de Lisboa.

Tamanha insensatez poderá satisfazer o interesse da indústria da construção, legitimamente empenhada em erguer um aeroporto tão caro quanto possível. Tão leviana decisão poderá satisfazer o interesse de quem oportunamente comprou, a preço de saldo, os terrenos em redor da Ota e que agora espera realizar mais-valias milionárias. Tão obtusa opção fará até crescer água na boca aos empreiteiros do costume, muitos dos quais salivam perante a possibilidade de construir um novo Cacém em plena Portela. O que já não há dúvidas é que a construção de um aeroporto internacional na Ota não serve o interesse nacional, o que não é coisa pouca.

É por isso que se estranha o silêncio cúmplice de muita gente com responsabilidades políticas importantes. Falo, em particular, dos autarcas que gerem os destinos dos municípios que sofreriam com a construção do Aeroporto da Ota. É que o golpe não afectaria apenas Lisboa. Teria consequências dramáticas em toda a Área Metropolitana, incluindo, obviamente, a Amadora.

É assim verdadeiramente notável que, na moção de estratégia com que se candidatou a Presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa do Partido Socialista, Joaquim Raposo assuma a defesa da construção do Aeroporto da Ota como uma das suas prioridades. Não se vislumbrando em tal empreitada qualquer interesse para os cidadãos da Amadora, imagino que o tenha feito por fidelidade partidária. Imagino também que à medida que a poeira vai saltando debaixo do tapete, o Presidente da Câmara Municipal da Amadora se arrependa de ter saído em defesa da Ota. É que sendo igualmente exótica, a ideia de construir um aeroporto internacional nos subúrbios de Alenquer é apesar de tudo bem mais gravosa para o país do que a peregrina ideia, já em marcha, de encavalitar uma pista de ski em cima do IC19. A insensatez tem os seus limites.

Entretanto, perante as visíveis dificuldades em que se encontrava o recém nomeado Ministro de Estado e da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, o Governo decidiu oferecer-se uma pausa de seis meses, tentando dessa forma adormecer o tema que ameaçava ensombrar a candidatura socialista à autarquia lisboeta e esperando que o futuro ex-Ministro Mário Lino refreie as suas pulsões suicidárias.

O Primeiro-Ministro de Portugal é um homem obstinado mas inteligente. No momento em que os argumentos em defesa da Ota começavam a resvalar para o domínio do absurdo, percebeu que as coisas não estavam a correr bem. E, guiado pelo seu instinto de sobrevivência, decide anunciar a encomenda ao LNEC de um estudo comparativo sobre a localização do futuro aeroporto. É um bom sinal, até porque apesar de tutelado pelo Ministro da Obras Públicas, o LNEC não é conhecido por elaborar estudos daqueles em que a conclusão é ditada por quem paga a conta.

Pena é que o estudo seja demasiado restritivo, voltando a confrontar apenas duas localizações e deixando de lado aquela que parece ser, claramente, a solução que melhor defende os interesses da cidade de Lisboa e do país – manter em funcionamento a Portela, complementando-a com um segundo aeroporto, vocacionado para a operação das companhias low-cost. Até porque ficou agora a saber-se que o crescimento do movimento na Portela se deve, essencialmente, à explosão do mercado dos voos de baixo custo.

Quem voa de ou para Lisboa por um punhado de Euros seguramente que não protestará se aterrar, por exemplo, no Montijo. Da mesma forma que quem voa para Londres numa companhia low cost não está espera de aterrar em Heathrow. Fica feliz da vida se aterrar em Gatwick, Stansted ou Luton.

Não tenho grandes ilusões acerca deste interregno estratégico de seis meses decretado por José Sócrates. Provavelmente, para além de um gigantesco e cristalino aquífero, vão surgir em pleno campo de tiro de Alcochete umas fantásticas gravuras rupestres ou um casal lampreias em nidificação. Seja como for, a verdade é que a muralha começa exibir as primeiras brechas.

O episódio do deserto foi, indiscutivelmente, o ponto de viragem. O momento em que, na ânsia de se afirmar como o maior defensor da Ota, o Ministro Mário Lino se transformou no seu maior detractor. Na mesma altura, tomado por uma aflição a roçar o febril, o dr. Almeida Santos ameaçava o país com o risco de dinamitagem das pontes. Como se, num ápice, tivéssemos passado a viver no farwest. Tornou-se claro que a linha do mais elementar bom senso havia sido ultrapassada. A obsessão pela construção de um aeroporto aninhado no pantanal de Alenquer tinha definitivamente tomado conta do Partido Socialista.

João Castanheira

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