terça-feira, 11 de setembro de 2007

Fotografia Aérea

Sempre que viajo de avião escolho um lugar do lado da janela. Quando a rota, a altitude e as condições climatéricas o permitem, aproveito o tempo para apreciar a paisagem e tentar entender a organização do espaço que vou sobrevoando. O ordenamento do território é, sem dúvida, um dos mais fiáveis indicadores do nível de desenvolvimento de um país e, para o avaliar, nada melhor do que a janela de um avião.

Sobrevoar Portugal é quase sempre um exercício doloroso. As casas e as fábricas, as pedreiras e as barragens, os campos agrícolas improdutivos e as florestas queimadas sucedem-se e misturam-se sem uma lógica evidente.

Custa ter de o admitir, mas a verdade é que à medida que se voa para norte o território europeu vai progressivamente revelando um aspecto mais ordenado. No coração do continente, as cidades são habitualmente constituídas por uma área central densa mas organizada, rodeada por atraentes e desafogadas zonas residenciais, após as quais surgem, bem delimitadas, áreas industriais activas e campos onde ainda se pratica agricultura. A harmonia na organização do espaço atinge a perfeição na Escandinávia.

Quanto a Portugal, lá de cima imagina-se o que se passa cá em baixo. O caos e a desordem que se observam do ar são indicadores claros de falta de planeamento, crescimento anárquico, incompetência generalizada e corrupção crescente.

Aos poucos, o país vai-se transformando num medonho eucaliptal, bordejado por um espesso anel de construção civil que se debruça sobre o mar. Aqui e ali, umas quantas bolsas de natureza vão estoicamente resistindo ao “progresso”. Até quando?

Eis a fotografia aérea daquele que foi outrora um dos mais belos países da Europa. O retrato do país onde um passado glorioso e um povo heróico convivem com a mais chocante boçalidade e o mais retrógrado provincianismo. O país onde um anedótico presidente da Associação Nacional de Municípios incita a população a correr à pedrada os funcionários do Ministério do Ambiente, pois essa gente “obstaculija o dejembolbimento”. Verdadeiramente medieval.

Há dias, tive a oportunidade de sobrevoar a Amadora a baixa altitude. Vista do céu, a nossa cidade chega a assustar. A impressão que deixa é a de uma amálgama de construção disforme, constituída por uma malha urbana caótica e desprovida de sentido lógico. Uma selva de betão parcialmente cercada por uma cintura de construções abarracadas. Da janela do avião dificilmente se vislumbra um pedaço de solo livre, uma nesga de verde.

Pelo meio do tecido urbano consolidado, umas manchas acastanhadas vão sendo imparavelmente esventradas por bulldozers: a Serra de Carnaxide, o Casal da Mira, o Casal de Vila Chã.

Ao longo dos últimos 50 anos, o futuro da nossa cidade foi depositado nas mãos de um punhado de patos bravos, a quem tudo foi permitido. Em matéria de ordenamento do território, as opções políticas têm consequências. E que consequências!

Numa área com menos de 24 km2 vivem 176.000 habitantes, donde resulta uma densidade populacional de 7.400 habitantes por km2. Em nenhuma outra zona do país se amontoa tanta gente numa tão exígua porção de território. Nem em Lisboa, nem no Porto, nem em Sintra, Gaia ou Gondomar. A densidade populacional da Amadora é 3 vezes superior à média das cidades portuguesas, 66 vezes superior à densidade populacional de Portugal.

Como o débil tecido empresarial do município foi aos poucos definhando, pela manhã toda esta gente ruma aos seus postos de trabalho nos concelhos vizinhos, entupindo as estradas e enchendo os comboios. Vagas de gente que, frequentemente, vem à Amadora apenas para dormir.

O esforço de qualificação do espaço público a que vimos assistindo ao longo dos últimos anos é por si só insuficiente para resolver o problema de fundo que atormenta a nossa cidade. É que, simultaneamente, a gestão camarária socialista insiste num modelo de crescimento anacrónico e delirante. Desde que chegou à Amadora, em 1997, Joaquim raposo aprovou, de forma acrítica, a construção de casas para 40.000 novos habitantes.

E veja-se o que se prepara para a Quinta do Estado, área estratégica para o desenvolvimento sustentável do município, onde é imperioso fazer diferente e fazer melhor. O criminoso Plano Director Municipal da Amadora considerou aquela área, à semelhança de praticamente todas as outras, como uma zona de alta densidade de construção. Não satisfeita com o banquete, a gestão autárquica socialista prepara-se para tentar alterar o PDM, aumentando em 25% o índice de construção permitido na área da Falagueira-Venda Nova.

A singela e inocente alteração do PDM resultaria, a preços de mercado, num aumento do lucro líquido dos promotores imobiliários superior a 150 milhões de euros. Isso mesmo, 30 milhões de contos a somar ao lucro normal que a gigantesca operação imobiliária renderá se respeitar as regras actuais.

Um enriquecimento ilegítimo e intolerável, porque conseguido à custa de uma insuportável deterioração da qualidade de vida de centenas de milhar de cidadãos.

João Castanheira

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