terça-feira, 30 de setembro de 2008

Umas casitas


Como eu percebo o manto de silêncio que, há 30 anos, cobre um dos mais obscenos segredos de Lisboa.
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Ao longo destas três décadas, os pobres foram arrumados em bairros sociais e os remediados enxotados para o inferno dos subúrbios.

Já as 3.200 casas que constituem o apetecível património da autarquia no centro da cidade foram distribuídas, de forma absolutamente discricionária, por intelectuais, dirigentes políticos, funcionários, amigos, filhos e primos.

Entre os beneficiários, contam-se a vereadora Ana Sara Brito, o escritor e jornalista Batista Bastos, a chefe de gabinete do vice-presidente da câmara Isabel Soares ou o director municipal José Bastos. Uma lista que promete revelações aterradoras.

Num país civilizado, a divulgação desta história sórdida faria, necessariamente, rolar cabeças. Num país europeu do século XXI, todas as casas seriam, de imediato, entregues à autarquia, que trataria de as atribuir a famílias carenciadas ou, em alternativa, trataria de as colocar no mercado de arrendamento a preços justos.

Por cá, espera-se que a poeira assente, para que a paz volte ao lar dos felizes contemplados. Veja-se a desfaçatez com que um director municipal fala de uma casa que não é sua: “O meu filho é que mora lá. Não tenho dinheiro para lhe comprar uma casa nova... Além disso, é a minha casa de reserva. Se amanhã tiver de me separar, para onde vou?”.

É o drama, a tragédia, o horror. Atingimos o grau zero da decência. A generalidade dos portugueses, que não pode oferecer casas aos filhos nem tem apartamentos de reserva - pelo menos públicos - assiste incrédula a este espectáculo pornográfico.

Julgo que o país não perdoará a António Costa se esta sujeira não for rapidamente limpa. Custe a quem custar.

João Castanheira

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